terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Essas coisas de gente grande

Bola em jogo, alegria do povo! É com esta frase que o narrador Alberto Rodrigues costuma começar suas transmissões dos jogos do cruzeiro pela Rádio Itatiaia. É emocionante acompanhar os jogos do cruzeiro na voz do mais vibrante do Brasil. É assim que eles chamam ele.

Cada lance entra na minha imaginação como seu estivesse mesmo no estádio, gritando, torcendo e comemorando cada gol.  Eu nunca pude ir ao Mineirão! Meu  pai não tem dinheiro para pagar o ingresso, sabe?

Ele disse que vai me levar ainda esse ano! Meu pai conseguiu um emprego. Não é muita coisa não, sabe? Mas já melhorou bastante lá em casa. Esses dias ele até levou eu e meu irmão para tomar sorvete depois da missa! Eu gostei muito, mas estava ansioso para voltar pra casa. Era domingo e eu tinha que terminar minha lição de casa, almoçar e descer pro campinho.


Era domingo!  Lá na minha cidade, um pequeno município do interior de Minas Gerais, eu e meus amigos costumamos jogar bola todo domingo, sempre às duas da tarde. Lá tem um campinho de terra, sabe? Ele fica bem em frente à igreja da Nossa Senhora das Dores. A gente joga às duas da tarde. A gente joga às duas da tarde porque as quatro é hora de ouvir o jogo do cruzeiro no rádio.

Meu pai disse que ia me levar pro Mineirão. Ele não disse quando. Mas disse que agora ele podia me levar, ele arrumou um emprego! Não é muita coisa não, mas minha mãe disse para minha avó que a empresa é grande e que ele pode crescer. Eu não consegui entender muito não, sabe? Como meu pai pode crescer se ele já é grande? Eu não sabia que o trabalho fazia a gente aumentar de tamanho. Essa conversa de gente grande é uma complicação danada.

Hoje meu pai levantou cedo e antes de sair para trabalhar ele me disse que esse domingo eu não ia poder jogar bola com o pessoal no campinho. Eu fique muito bravo por que não tinha feito nada de errado.  Mas antes que eu começasse a chorar meu pai me disse que ia me levar pro Mineirão. Era domingo! Corri para o meu pai e dei um abraço tão forte que ele quase caiu no chão.

Meu pai saiu para o emprego e eu fui correndo contar para todo mundo que meu pai ia me levar para ver o jogo. Era domingo e melhor, era dia de clássico. Encontrei com meus amigos lá no campinho de frente a igreja da Nossa Senhora das Dores.

Quando estava voltando para casa encontrei minha mãe correndo com meu irmão no colo. Ela segurou minha mão e disse para correr também. Fomos para a casa da minha avó que fica um pouco mais longe no alto da serra.

Minha mãe chorava muito e eu não conseguia entender nada. Minha mãe disse para minha avó, que a empresa do meu pai tinha jogado lama na cidade toda e agora ele tava lá de baixo sem conseguir sair.  Eu não consegui entender foi mais nada. Primeiro a empresa fez meu pai crescer de tamanho e depois joga lama na cidade e deixa ele preso lá de baixo. Essas coisas de gente grande é muito complicada.

Meu pai não voltou naquela sexta e não me levou pro Mineirão, domingo. Agora lá no campinho de frente a igreja da Nossa Senhora das Dores tem um monte de gente e de helicóptero. Minha mãe disse que eles estão procurando meu pai. E eu não consegui entender foi nada. A empresa que meu pai trabalha fez ele crescer, ai jogou lama na cidade toda, deixou meu pai preso lá embaixo e agora manda esse monte de gente procurar?

Era melhor ter deixado ele aqui em casa mesmo. Essas coisas gente grande...

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